Carta de Gestor: Virada estrutural na economia global

Brasil

Estamos diante de uma virada estrutural na economia global, com retomada acelerada de investimentos em ações, especialmente em países emergentes.

No Brasil, novembro foi o mês em que o mercado de ações finalmente “casou” com o cenário macro. O Ministério da Fazenda revisou para baixo a projeção de crescimento de 2025, de 2,3% para 2,2%, reconhecendo a perda de tração da atividade após a alta acumulada de 450 pontos-base na Selic desde 2024, hoje em 15% ao ano. 

A mesma revisão trouxe inflação esperada de 4,6%, ainda acima da meta, mas com IPCA em 12 meses convergindo para 4,68% em outubro, ajudado por câmbio mais forte e queda em preços de bens industriais e agrícolas.

Os dados de inflação corrente reforçaram a mensagem de “desaceleração com controle”. O IPCA-15 de novembro subiu 0,20%, ligeiramente acima do consenso, pressionado por serviços, mas ainda dentro de um quadro de inflação comportada; o IGP-10 avançou 0,18% no mês. 

Em paralelo, a liquidação extrajudicial do Banco Master trouxe ruído temporário e um lembrete de que a fase de juros muito altos cobra pedágio no sistema financeiro, mesmo em um ciclo que caminha para o fim.

O Ibovespa respondeu com o melhor desempenho mensal desde agosto de 2024, avançando cerca de 6,4% em novembro, renovando máximas históricas acima de 159 mil pontos e acumulando alta próxima de 32% no ano. 

O índice foi puxado por bancos, empresas ligadas a commodities e nomes domésticos mais alavancados, beneficiados pela combinação de perspectiva de queda de juros no Brasil e nos EUA e pela percepção de que “o pior” da política monetária já ficou para trás.

O grupo de empresas que mais se beneficiam desse cenário de queda na inflação e potencial de juros, são àquelas companhias que fazem uso intensivo de endividamento mas, em paralelo, possuem uma elevada resiliência, previsibilidade e crescimento em suas receitas, com crescimento de margens e ganho de escala sólidos, e que não estejam vulneráveis ao ciclo das commodites. 

Dentro desse grupo, destacamos toda a holding Simpar, especialmente a Movida e JSL, assim como a Ecorodovias, que representam as maiores empresas de transporte do Brasil. Logo atras, destacamos as farmácias e empresas do setor de educação, como Pague Menos e Ânima. A elevada alavancagem, preço descontado, e início de redução na taxa SELIC irão impulsionar a geração de caixa dessas companhias, com reflexo agressivo na valorização de suas ações, o que já foi antecipado ao longo de novembro.

Estados Unidos

Nos EUA, novembro foi um mês de transição: o ciclo de juros virou oficialmente a página, mas o mercado de ações começou a testar os limites da euforia com inteligência artificial. Em 29 de outubro, o Fed cortou novamente a Fed Funds em 25 pontos-base, para a faixa de 3,75%–4,00%, encerrando o programa de redução do balanço e reconhecendo que os riscos passaram a estar mais concentrados no lado do emprego. 

A ata e o Beige Book de novembro mostraram atividade “pouco alterada”, consumo em desaceleração e mercado de trabalho gradualmente menos apertado.Do ponto de vista de mercado, o S&P 500 praticamente andou de lado em novembro, enquanto o Dow subiu marginalmente e a Nasdaq cedeu mais de 1,5%. O mês foi marcado por correção em tecnologia e nomes diretamente expostos à IA, com aumento do discurso de “bolha” por grandes casas de investimento.

 Em contrapartida, setores defensivos como transporte marítmo, logística, saúde, bancos e energia tiveram um mês muito forte – alta em torno de 10% em novembro e quase 60% no ano – e atraíram tanto hedge funds quanto fluxo de ETFs.

A Vanguard fala em “exuberância da IA”: um choque positivo de produtividade no longo prazo, mas com potencial de compressão de retornos de ações americanas a partir de valuations já esticados. A BlackRock, por sua vez, reforça que a IA continuará dominando o debate de mercado em 2026, mas alerta para maior volatilidade, dado o nível elevado de alavancagem de hedge funds e a concentração de fluxo nos mesmos nomes. 

Em resposta, vem aumentando exposição a energia e infraestrutura na Europa, mirando empresas que se beneficiam diretamente do ciclo de investimentos em data centers e redes, e não apenas nos “vencedores óbvios” de tecnologia. Nesse ciclo, grandes empresas como Google, Meta, Amazon e Microsoft irão gastar quantias bilionárias para a construção de data centers, enquanto as empresas de infraestrutura energética sairão os grandes vencedores nesses próximos anos, pois receberão capital das Big techs para executar a atividade de construção e infraestrutura pública, ampliando receitas, margens e geração de caixa.

No campo político, a tensão com o Fed voltou ao centro do palco. O presidente Donald Trump afirmou que já escolheu o sucessor de Jerome Powell, mas só deve anunciar o nome no início de 2026, enquanto discute mudanças na governança e nas nomeações dos bancos regionais. Esse ruído institucional adiciona uma camada de incerteza à trajetória de juros de médio prazo.

Para alocação, novembro reforça a necessidade de manter exposição aos EUA – ainda o epicentro de lucros globais – porém com menos concentração em grandes nomes de IA e mais foco em qualidade: saúde, empresas de tecnologia com geração de caixa robusta, e setores que se beneficiam estruturalmente da digitalização (infraestrutura, utilities de rede, REITs de data centers bem capitalizados). 

Em renda fixa, o corte do Fed abre espaço para alongar duration de forma gradual, mas a combinação de valuations altos em bolsa e incerteza política, é de extrema importância que o investidor possua uma elevada liquidez atualmente, pois estamos diante de uma virada estrutural na economia global, incentivado alocação em bolsa de valores.

União Europeia

Na Europa, novembro combinou três temas: inflação convergindo para a meta, discussão concreta de “dividendo de paz” na Ucrânia e um mercado acionário que, apesar de recordes pontuais, ainda enfrenta saída de fluxo global. A inflação da área do euro subiu marginalmente para 2,2% em novembro, muito próxima da meta do BCE, com forte queda de energia (–0,5% na comparação anual), serviços ainda pressionados em torno de 3,5% e bens industriais praticamente estáveis. As atas da reunião de outubro confirmaram que o BCE vê a inflação “evoluindo como esperado” e, por ora, prefere manter os juros estáveis, com discurso de “higher for longer”, mas sem novos apertos no horizonte próximo.

Politicamente, a guerra na Ucrânia entrou numa fase de negociação mais explícita. Washington e Kiev anunciaram um “framework de paz refinado” após conversas em Genebra, ao mesmo tempo em que o mercado passou a precificar maior probabilidade de cessar-fogo. Em paralelo, a Comissão Europeia avançou com uma proposta de grande empréstimo para a Ucrânia lastreado nos ativos russos congelados, medida controversa do ponto de vista jurídico e político, mas que sinaliza comprometimento em financiar Kiev nos próximos anos.

Na bolsa, o Stoxx 600 chegou a renovar máximas históricas em 11 de novembro, puxado por saúde e pelo alívio com o fim do shutdown nos EUA. Porém, ao longo do mês, ações de defesa sofreram forte correção diante da perspectiva de paz na Ucrânia, e gestores globais continuaram reduzindo exposição à Europa e aumentando posições em EUA e Japão. 

Destacamos um menor entusiasmo com empresas e ações de defesa europeia e maior apetite por energia e infraestrutura na região, em especial empresas ligadas à transição energética e à expansão da capacidade elétrica exigida por IA e data centers. Essas deverão ser as maiores oportunidades de investimento em 2026.  

Na prática, o investidor olha hoje para a Europa como um mercado de “valor com gatilhos incertos no curto prazo”: valuations descontados em vários setores, inflação sob controle e um banco central perto do fim do ciclo, mas crescimento fraco e ruído político relevante. 

Em novembro, os acontecimentos reforçam duas linhas de ação: capturar o possível “peace dividend” via exposição seletiva a cíclicos de qualidade (indústria, consumo durável, bancos bem capitalizados) e reduzir o peso de defesa após a forte performance dos últimos anos; e, ao mesmo tempo, aproveitar a tese estrutural de energia e infraestrutura ligadas à eletrificação e à demanda de IA, que podem se beneficiar independentemente do cenário geopolítico.

China

Na China, novembro reforçou a fotografia de uma economia em processo de ajuste prolongado: não há colapso, mas também não há o tipo de aceleração que reanima, por si só, o ciclo global de commodities e risco. O índice oficial de gerentes de compras (PMI) da indústria ficou em 49,2 em novembro, abaixo de 50, sinalizando leve contração, enquanto o PMI composto da NBS recuou para 49,7, menor nível em 35 meses. 

O PMI privado (Caixin/RatingDog) apontou dinâmica parecida: 49,9 na manufatura, com desaceleração de novos pedidos, ainda que exportações tenham melhorado após trégua parcial nas tensões comerciais com os EUA.

Esses dados vêm na esteira de um setor imobiliário ainda frágil e de estímulos graduais, longe dos pacotes maciços de outros ciclos. O mercado opera na expectativa de decisões mais claras no encontro de formulação da política econômica previsto para dezembro, mas a leitura dominante é que Pequin está mais preocupado em gerir riscos financeiros e de governança do que em “comprar crescimento” a qualquer custo, marcando uma mudança na trajetória da política econômica chinesa.

Nos mercados, a consequência foi um desempenho desigual. O índice MSCI Emerging Markets teve um mês volátil, com quedas relevantes na segunda metade de novembro, e ainda que o retorno em 12 meses esteja muito forte (mais de 40%), boa parte desse ganho vem de tecnologia asiática e de bancos indianos, não de uma recuperação ampla da China. Seguimos com teses mais construtivas com emergentes em geral, citando dólar mais fraco, valuations atrativos e maior resiliência.

Para decisões de investimento, novembro reforça a posição de “neutralidade cautelosa” em relação à China. Há espaço para histórias específicas ligadas a semicondutores, hardware e cadeias de suprimento que se beneficiam da corrida global por IA e data centers, bem como para consumo doméstico em segmentos apoiados por política pública. 

Porém, o investidor global tende a manter subpeso em imobiliário, bancos expostos a crédito duvidoso e empresas com governança opaca, usando a exposição a outros emergentes – Índia, México, Sudeste Asiático – como formas mais limpas de capturar o ciclo de crescimento da região.

Japão

O Japão seguiu consolidando, em novembro, a posição de “queridinho” dos gestores globais. No front monetário, o Banco do Japão manteve a taxa básica em 0,5% na reunião de fim de outubro, mas a ata mostrou dois votos dissidentes a favor de alta para 0,75% e um debate intenso sobre o momento de normalizar a política. 

Dados de inflação em Tóquio voltaram a surpreender para cima, e, já no início de dezembro, fontes do governo indicam que o BoJ deve, de fato, subir os juros para 0,75% na próxima reunião, num movimento coordenado com negociações salariais que apontam para reajustes superiores a 5%.

Na bolsa, o Nikkei 225 alcançou novas máximas históricas em novembro, superando 52 mil pontos antes de corrigir cerca de 8% no mês em meio à realização global em ações de IA. Ainda assim, o índice continua em tendência ascendente, sustentado por política fiscal agressiva sob a primeira-ministra Takaichi, pela inclinação da curva de juros japonesa e por um iene estruturalmente mais fraco, que impulsiona exportadores. O comentário de casas locais é que a realização recente limpou posições excessivamente alavancadas, mas não alterou a tese fundamental.

Temos uma visão bastante construtiva e otimista em ações de empresas japonesas, destacando a combinação rara de crescimento nominal mais alto, melhora de rentabilidade corporativa e reformas de governança que favorecem retorno para o acionista. Os dados de posição de hedge funds mostram aumento de exposição a Japão e Hong Kong pelo terceiro mês consecutivo, em detrimento de Europa.

Em termos de alocação, novembro reforça o Japão como pilar importante de carteiras globais. A normalização gradual da política do BoJ reduz o risco de distorções extremas na curva de juros, melhora o ambiente para bancos e seguradoras e, ao mesmo tempo, não destrói o suporte cambial às exportações. 

O foco dos investimentos no Japão está em três blocos: exportadoras de tecnologia e automotivas, que se beneficiam tanto da demanda de IA quanto do reposicionamento de cadeias de suprimento; empresas domésticas ligadas a consumo e serviços que capturam o aumento de salários; e instituições financeiras que se beneficiam de margens maiores com a inclinação da curva de juros. A principal disciplina aqui é de valuation e gestão de risco de câmbio, não de tese estrutural.

Oriente Médio

No Oriente Médio, novembro foi dominado por decisões de energia e por uma geopolítica que continua a sustentar um prêmio de risco, mas dentro de um cenário de petróleo estruturalmente menos apertado. A Opep+ decidiu, em reunião de início de mês, pausar os aumentos de produção previstos para janeiro, fevereiro e março de 2026, movimento reafirmado no encontro de 30 de novembro. 

A mensagem do grupo,  liderado por Arábia Saudita e Rússia, é de compromisso com “estabilidade de mercado” em um contexto de demanda mais fraca e aumento da oferta em outros polos. Essa postura ajudou a sustentar uma alta moderada no preço do petróleo após a decisão, mas relatórios independentes apontam um horizonte de superávit e um “bull market” bem menos exuberante para a commodity.

Ao mesmo tempo, as tensões políticas permanecem elevadas. O conflito em Gaza continua a afetar a percepção de risco da região, ainda que sem ruptura no fluxo físico de petróleo até aqui. Fora do Oriente Médio, mas dentro da esfera da Opep, a Venezuela voltou a pedir apoio formal do cartel contra “ameaças” dos EUA, e o presidente Trump confirmou ter conversado por telefone com Nicolás Maduro, adicionando uma camada diplomática complexa à gestão da oferta global.

Nos mercados locais, a combinação de preços de petróleo menos eufóricos e aumento da incerteza global fez com que bolsas do Golfo ficassem para trás em relação a outros emergentes ao longo de novembro. Mantemos um viés ainda pessimista para grande parte das commodities, que deverá se estender pelos próximos anos.

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